Jorge Braz: "Se queremos conquistar troféus, temos que acrescentar algo mais"



No rescaldo da conquista do segundo Campeonato da Europa consecutivo, Jorge Braz esteve no programa “Futebol Total”, do Canal 11, para conversar sobre a conquista e não só. De seguida reproduzimos as principais declarações do selecionador nacional.

“Surpreendeu-me o Presidente da República. Senti-me um bocado esquisito quando ele mandou a mensagem. Será que retribuo? Posso ligar para o Presidente? Liguei e foi fantástico, como sempre”

 

[Pensou em conquistar estes três troféus de seguida?]

“Tenho que admitir que pensei que seria possível. Depois quando colocava os pés no chão, tinha consciência das nossas dificuldades, mas dizia ‘se os outros conseguem, porque é que nós não conseguimos?’. Eu dizia sempre aos nossos amigos espanhóis e russos ‘um dia tenho de ganhar’. Sabia que íamos demorar algum tempo. Parece um sonho, mas que é possível é, que eu acreditava que seria possível, seria, que seria fácil, não. É nos pequenos momentos que temos de inverter mentalmente e dizer ‘pode dar’. Temos que lutar com tudo o que temos”

 

[Sete anos sem títulos]

“Aqui sabe-se muito bem a visão e o rumo que se quer e não me parece que seja só no futebol. Eu não me esqueço das vezes que perdi e eu já perdi mais vezes do que ganhei. Já estive em mais fases finais em que perdi do que ganhei. Vivemos momentos de felicidade, mas quando isto se inverter não vou deixar de ser o Jorge Braz. Enquanto for possível, tudo fazemos para não cair”

 

[Time-out da Final]

“O que é que há mais a acrescentar? Faltam vinte minutos, estamos a perder 1-2, isto já não está 0-0, já cometemos erros e temos uma desvantagem pior. Temos que acrescentar algo que tem de vir de dentro, acreditar mais na bola parada, no processo ofensivo, na pressão. Se estou a perder o risco tem de ser maior. Não inventaram muito. Tive enorme satisfação na 2.ª parte. Disse ‘façam as coisas, entrem e joguem. Se acham impossível, vamos já para casa’. Com a Espanha, já tínhamos vivido esta experiência no Mundial e eles próprios diziam isso. Internamente, sabemos que o Futsal permite-nos que continuemos a sonhar, tem é de ser com razão e com equilíbrio”

 

[Mudança de mentalidade]

“Foi aquele clique do ‘quase’. Tínhamos feito Europeus interessantes, com idas às meias-finais e eu tive de dizer ‘não chega e parem de colocar a desculpa nos outros. É a organização? A forma como jogamos? O fantasma da Espanha? Temos que colocar aqui algo mais, mas as nós próprios’. Estas gerações mais jovens habituaram-se a vencer a Espanha, a Rússia. Eu digo sempre ‘o que fizemos até agora não vai chegar’. O staff vai ter de dar mais, os jogadores vão ter de dar mais, tem de se acrescentar qualquer coisa, porque senão não vamos lá outra vez. Perdemos os Quartos de Final na Sérvia por falta de equilíbrio. Percebíamos que era possível, mas tínhamos de mudar. Temos de olhar para o que podemos fazer de diferente desde o primeiro dia de treino, desde a primeira reunião no estágio. Assim se constrói uma Fase Final”

 

[Grupo de trabalho]

“O que se vive fora do espaço de trabalho é fundamental. Em 2018 apanhei o Ricardinho com o telemóvel, ele pediu logo desculpa e depois mostrou-me o nome do grupo deles no Whatsapp, era ‘Campeões da Europa’ e o estágio estava a começar. Havia uma barulheira nas refeições e eu estava a sempre a ver quando é que eles se iam embora para haver sossego. Há momentos no estágio que são difíceis. Nos últimos seis meses vivemos três meses juntos, mas este mês foi satisfatório. Eu dizia a toda a gente ‘isto está a correr bem de mais’”

 

[Cinco para quatro]

“Na final estávamos em dúvida, na pausa técnica, se eles viriam no 5x4, e eu lancei os que estavam definidos para o 5x4. Aliás, o Erick entrou com o pé naquele estado, só isso diz tudo. Se vierem entram já, se não vierem depois reajustamos isto. Quando vi que eles vinham em 5x4, disse ‘já está, vamos ganhar isto’. Vi o Erick a coxear e disse ‘tu não estás em condições’, ele respondeu ‘estou, estou’. No 5x4 é a emoção, o tempo que está a acabar, mas quando temos bola é igual e não conseguimos. Ontem estava a ser muito difícil antes do 5x4. Depois, faltavam três e tal, e disse ‘já está’. Sem o Robinho, sabia que eles iam apostar no Nando ou no Abramov. Disse ao Erick ‘não faço a mínima ideia do resto, agora façam o que têm a fazer e o que sabem fazer’”

 

[Público nas bancadas]

“Fantástico! Eu disse logo que na bancada era derrota certa para eles. Comportamento fabuloso. Lembro-me de dizer, durante o jogo, ‘nós estamos a perder 2-0 e aquela gente está ali toda aos saltos’”

 

[Gerações]

“Não é sorte. Eu olho muito para os sub-19 e sub-17. Adorei ver os sub-15. Fui ver um Benfica-Sporting e saí de lá maravilhado. Agora é proporcionar oportunidades”

 

[Espírito lutador e tempo de jogo]

“Vejo a Argentina e eles vão sempre buscar algo mais. Vi o prolongamento com o Brasil… fantástico. Se digo que contam todos, contam mesmo todos. Há momentos que pedem Pauleta e Miguel [Ângelo], e há momentos que pedem Zicky ou João Matos. Todos contam e eles sabem disso. Hoje foi uma alegria brutal ter estado com o Bebé no aeroporto. O Edu estava preparado para ser importante em determinados momentos do jogo. Se sofrêssemos um livre de 10 metros, era o Edu que ia defender. Eles sabiam disso”

 

[Crescimento do Futsal]

“O Futsal foi tendo o reconhecimento social. Digo sempre que isso depende do nosso trabalho. A Federação proporcionou um trabalho de excelência que foi o olhar para dentro. Melhoraram muita coisa e qualificaram o processo. Melhoraram a equipa técnica nacional, a equipa médica. A equipa técnica é muito maior e trabalha com as seleções todas. Temos ligação aos clubes e acompanhamos e percebemos a realidade. Nós já erámos dos melhores do mundo no trabalho que fazíamos”

 

[Serenidade nos segundos finais]

“Por dentro está igual. Já tive muitos dissabores por andar aos saltos. O Futsal tem esta emoção que é brutal. Chateei-me com o André Sousa a 2 segundos do fim, o erro foi meu e eu fiquei doido por ele já estar a fechar. Não pode. Na Colômbia tivemos uma reposição mal feita que deu uma bola na trave. Noutros jogos as coisas correram mal. Em 2018, quando o Bruno Coelho foi para os 10 metros, eu já estava a pensar nos 52 segundos que faltavam. Agora com a Rússia foi igual no 5x4. Temos de manter isso até à buzina final, para mim é decisivo. Nós sofremos o 2-1 na final do Mundial por andar tudo aos saltos. Eu chamar o Erick para entrar e ele andar aos saltos na linha de fundo não pode acontecer. É aquele momento, não podemos desperdiçar aquele momento, desperdiçámos e a Argentina marcou depois de fazermos o 2-0. Agora vivemos muito bem com isso, mas a Rússia não viveu bem com o golo antes do intervalo e nós percebemos isso. Temos de manter o racional e isso deu-me uma grande satisfação nas segundas partes. Eu disse ‘se perdermos o meu orgulho vai ser igual’. Eu vi o Pauleta entrar e encarar o Lozano no 1x1, com toda a confiança do mundo. Um miúdo que praticamente não jogou no Mundial. Eu tenho homens comigo e conto com eles todos”

 

[Palestra antes da Final]

“Ali o gelo derreteu um bocadinho. Emocionei-me. Tinha falado um bocadinho com o Jorge Silvério e disse ‘não tenho nada para dizer para o jogo da final’. O que é que lhes vou pedir mais depois de tudo o que eles já tinham feito? O mérito não é só meu, é de toda uma equipa, e a forma como eles se comportam também me ensinaram muito”

 

[Cardinal]

“Não sei como lida com isso. Antes da convocatória fui falar com ele para perceber e para o apoiar. Com a qualidade que tem seria uma opção para nós. Depois, nos primeiros dois dias de treino aqui em Lisboa deixou-me com um sorriso na boca. Chegámos a Rio Maior e apareceu o problema nas costas. Tentámos esticar ao máximo, mas não deu. Custou-me muito, mas não custa mais a ele que perdeu os três títulos por lesão. Por muito difícil que seja, parece-me que é óbvio que hoje em dia ou estamos a 100% ou não estamos. O fundamental é a seleção e a equipa. Não podemos forçar o Cardinal, não vamos arriscar e infelizmente falhou mais uma competição”

 

[Respeito entre clubes]

“Nas modalidades de pavilhão é muito característico. No próximo dérbi, se chegarem mais cedo, vão ver que eles andam ali todos misturados. Ainda hoje no almoço na Cidade do Futebol vi o Gonçalo Alves junto ao Nuno Dias, com o Pedro Catita pelo meio. Eu tenho que tratar muito bem a minha modalidade e ao longo dos anos fomos percebendo isso. Na final do Mundial a expulsão foi decisiva, mas é alguém que frequentemente tem este comportamento. [Borruto] prejudica a equipa e a modalidade. Mesmo neste Europeu houve aquelas situações de cotoveladas, eu digo sempre ‘engole e cumprimenta’. Isto para mim é claro e faço-o com os treinadores adversários, mesmo quando falam mal de mim, cumprimento-os e respeito-os. A boa educação cabe em todo o lado”

 

[Zicky]

“O Zicky vai com tudo (risos). Ontem no final do jogo perguntei-lhe outra vez, ‘como é que é possível seres campeão da Europa outra vez?’. Ele riu-se com aquele sorriso contagiante. Temos que sentir enorme prazer e eu olhava para todos eles e sentiam esse prazer. O Zicky erradia isso. Temos de perceber que ainda tem muitos anos e há sempre algo a corrigir. Tem tanta coisa para corrigir. Quando vierem momentos maus, sabemos que o desporto tem sempre memória curta. Para quem os treina, nunca vou esquecer o que eles fizeram. Não temos memória curta. Percebemos que o Zicky, o Paçó e o Afonso vão ter momentos meus bons”

 

[Jovens na quadra]

“No Mundial o Afonso veio-me dizer ‘mister, faltavam 3 minutos, estávamos a perder, e estavam em campo eu, o Miguel, o Erick e o Zicky’. Faltavam 3 minutos e tinha lá os garotos’, e eu, ‘garotos? Se vocês estavam lá é porque eu acredito em vocês’. Todos são diferentes, não há jogadores parecidos. Essa variabilidade é que dá a riqueza e isso dá-nos um gozo. Quando são todos muitos iguais, vamos ter um padrão muito igual”

 

[Trabalho e Ana Azevedo]

“Amanhã tenho já uma reunião de trabalho. Só depois é que volto a casa. Estive com ela no fim do jogo e perguntei-lhe ‘estás aqui a fazer o quê? Tiveste jogo ontem’”

 

[Euro feminino]

“É o título que nos falta e vamos à procura dele. Depois em setembro temos a fase final do Europeu Sub-19 e é mais um”

 

[Declarações de João Matos]

“Quando acabou o jogo, estava eu e o João e disse ‘tinhamos dois títulos para revalidar e ainda só revalidámos um. Agora temos mais um para revalidar. Ele só respondeu ‘cale-se lá, ainda agora ganhámos este’ (risos)”

 

[‘Futorologia’]

“Partilhei com eles [jogadores] uma conversa que tive com os amigos da aldeia há uns anos atrás. Perguntaram-me ‘Braz deixa-te lá de tretas, é impossível ganhares o Mundial’, e eu ‘vai ser difícil, os Quartos de Final vão ser muito complicados e o jogo mais difícil da minha vida vai ser a meia-final. Depois na final, seja quem for, é para os matar’. O meu amigo pegou num papel, sem eu dar conta, e escreveu tudo. Depois no fim, com uns finos pelo meio, lá assinámos aquilo os quatro, eu e três amigos de infância. Depois do Mundial acabar, esse meu colega mandou-me uma mensagem. Vi e era uma fotografia do papel. Já nem me lembrava dessa história e antes de irmos para o Europeu partilhei isso com toda a equipa e todo o staff”

 

[Tempos como jogador]

“Depois de ser guarda-redes andei armado em pivot, corre-se menos e estou mais paradinho lá na frente”

 

[Motivação]

“O que me motiva é o novo desafio. Vinha já a tomar notas do que podemos organizar para o Europeu feminino. É algo que queremos muito e que estas meninas merecem muito. Agora é trabalhar e é preciso foco de todos. O que fizemos até agora não chegou. Se não conseguimos foi porque não trabalhámos o suficiente, ponto. Temos que acrescentar algo mais. É a única coisa. O acrescentar mais é tudo, seja planificação, scouting, plano de treino. O Futsal Feminino tem crescido e estes últimos dois anos exemplificam isso. O presidente [da FPF] tinha definido que o objetivo era conquistar o Europeu feminino. Também definiu que tínhamos de ser primeiros do ranking mundial masculino e feminino. Hoje já estamos em primeiro no ranking Europeu. Falta o feminino que também é preciso. Temos que procurar no nosso processo o que falta e acrescentar. Elas têm de ter mais exigência e oportunidades. Quando for para 2024, temos que inovar e acrescentar mais. Quando eu sentir que só aqui andamos por andar, deixo de ser treinador e vou para comentar (risos)”

 

 

Fotografia: FPF


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